segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Temporais infernizam a vida dos artistas de circo, obrigados a enfrentar lama, enchente, goteiras e o sumiço do público


lelis
“Trabalhamos nesta época de chuva, mas é complicado”, avisa, por telefone, Rodrigo Augusto Valsonovit, de 34 anos, o faz-tudo da administração do Circo Coliseu di Roma. Ele está em Baependi, no Sul de Minas, e prepara-se para viajar para Carvalhos, na Zona da Mata. E bota complicado nisso: primeiro, é preciso torcer para que o público compareça. Depois de passar o dia fazendo propaganda, é duro ver a plateia de 500 lugares reduzida à metade ou a um terço. “Depois, temos de torcer para que o temporal não derrube a casa da gente”, completa Rodrigo. É preciso reforçar as estacas e, até março, evitar montar a lona perto de rios ou em locais altos (por causa do vento forte).

Até hoje, o secretário do Coliseu di Roma se lembra de uma enchente no Espírito Santo. A água chegou à jaula dos leões. Bateu o desespero. A turma até pensou em soltar os bichos para evitar que morressem afogados. “Se a gente se distrai, chuva acaba com o circo”, afirma Ricardo.

 Granizo é o inimigo nº 1. Motivo: faz as lonas, que custam cerca de R$ 50 mil, “desaparecerem” em poucos minutos. É drama, mas já foi pior. O palhaço Cherosinho, o Lindo – ou seja, Marcos Alberto da Silva Guideo, de 53 anos, integrante do Circo Kalahary –, recorda-se da época em que a cobertura era de algodão. “Quando chovia, molhava mais dentro que fora. Era comum emendar a lona até não caberem mais remendos”, conta. Diante da casa cheia e da plateia reclamando das goteiras, o pai dele brincou: “Senhoras e senhores, fiquem à vontade. A lona é velha, mas os furos são novinhos”. 

O Circo Kalahary deixou de trabalhar 16 dias entre o fim de dezembro e dia 6 deste mês. “É muito, somos viciados em trabalho”, comenta Cherosinho. Ele conversa com a reportagem por telefone, enquanto viaja de Piumhi para Pimenta, no Sul de Minas. Está preocupado: sem plateia, como cobrir a folha de pagamento dos artistas?.

Há menos de 10 dias, a trupe do Kalahary enfrentou muitos problemas depois que a carreta atolou em São Roque de Minas. O contratempo atrapalhou compromissos em Belo Horizonte e o problema só foi solucionado com a chegada de um trator.

O Circo Nacional do Garrafinha não tem caminhão. O deslocamento fica a cargo de transportadoras. “Às vezes, o material chega à noite e o local é só lama. Somos obrigados a descarregar sem ter onde montar o circo”, conta Narciso Soares, de 55 anos, o Garrafinha. Imprevistos assim podem atrasar a estreia em até uma semana – prejuízo na certa.

Em noite bonita, Garrafinha já viu chuva repentina fazer a fila desaparecer. Isso ocorreu até durante espetáculo. “Fizemos uma pausa. Para as pessoas não ficarem assustadas e irem embora, os palhaços entraram e começaram a brincar com as crianças”, recorda. “Pouco dinheiro é melhor que nada”, conforma-se a bilheteira Maria José Soares. A trupe já fez show para 20 ou 30 pessoas, apesar das 400 cadeiras do circo. 
 
Tradições 
 
O Circo Coliseu di Roma, pertencente à família Augusto Valsonovit, funciona há 25 anos. Tudo começou com a vinda do iugoslavo Fidelis Augusto Valsonovit e da esposa para o Brasil. Eram saltimbancos: ele fazia números com um urso; ela tocava e cantava. “O maior treinamento dessa nossa arte é a convivência. Você assiste e, quando vai brincar, já está fazendo o que viu”, conta Rodrigo Augusto Valsonovit.
 
Das 33 pessoas do Circo Kalahary, 21 são do clã Guideo. Cherosinho é filho do palhaço Cheroso, “artista respeitado dos tempos de Arrelia, Piolim, Picoline e Carequinha”. O herdeiro define o Kalahary como “circo classe média”, com seus 1,2 mil lugares. Tem duas filhas: uma cursa a universidade, a outra é formada em direito.
 
O Circo Nacional do Garrafinha tem 18 pessoas – todas da família Soares. Quem começou foi Joaquim Soares, avô do atual dono. Nascido em Araçaí, perto de Sete Lagoas, o patriarca fugiu de casa para acompanhar uma trupe de touradas e rodeio. “Reapareceu aos 22 anos, com filho e sabendo tudo do ramo”, revela o neto.
 
Mais tarde, Joaquim deu ao filho o material para seu próprio negócio. Na época, circo era de pau a pique, coberto com sacos emendados, conta Garrafinha. “Quando meu pai morreu, deu aquela gelada em todo mundo. Foram dois anos de desespero. Em 1998, decidi montar o circo para nós”, conta. Ele conheceu a esposa, Maria José, atuando como palhaço.
 
Garrafinha se chama Narciso Soares. Ele e Maria José estão juntos até hoje, têm cinco filhos e 11 netos. “Só o de oito meses ainda não começou no circo. O de 2 anos já está aprendendo a profissão”, conclui o avô coruja. 
 
Manual de sobrevivência 
 
Quando chove, o Circo Nacional do Garrafinha se instala em lugares menores. “Em cidades maiores, ninguém sai de casa. Em lugar pequeno, se a chuva para um pouco, o pessoal está na rua. A diversão deles é forró e circo. Como sabem que tem forró todos os dias, acabam preferindo o circo, que é passageiro”, garante Narciso “Garrafinha” Soares
 
O Circo Kalahary trata de fazer caixa durante o ano para os momentos de aperto. O Coliseu di Roma se vale dos prêmios Cena Minas e ProCultura para sobreviver. Rodrigo Augusto Valsonovit explica que eles são fundamentais na hora da dificuldade.
 
Outros grupos fazem shows em teatros, aniversários e empresas. Alguns só aceitam convite para apresentação completa – de duas horas, com todos os artistas. Os cachês variam de R$ 4 mil a R$ 5mil. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário